13/04/2024

AQUARELA VIÚVA

                        




AQUARELA VIÚVA

(Minimamente barroco)

 

             

            Geraldo Reis

 


A viuvez do minério

no poema que é mistério

já se ressente passado.

 


O sol que é sobre a vivenda

na malha dessa comenda

rumina o couro do gado.

 


BH - 04/01/2019 (GR.)

 

 

       


26/02/2024

A PROCISSÃO ACESA EM GUAYAQUIL

 

A PROCISSÃO ACESA EM GUAYAQUIL

 

Geraldo Reis

 

A procissão excita a escuridão do barco

encontrado entre os pertences-de-bolso do afogado.

 

A procissão acesa pulsa

no interior da praia iluminada quando

um exército de pescadores mortos se recorta ao longe

e grita a plenos pulmões o nome do afogado.

 

A procissão acesa para de repente quando

um relógio se retrai no temporal cifrado

e recolhe frações desse vitral que franze

o mundo de areia nos olhos do afogado.

 

A procissão acesa lavra um testamento quando

esse resumo de um tempo interrompido rasga

uma cartilha de sangue no bolso do afogado.

 

É como se o vento soprado de outras horas   

tocando as velas sazonais do barco o mastigasse

com os dentes hirtos de areia 

num deserto em chamas no bolso do afogado.

 

É como se o verbo soprado de outros ermos 

vencendo as iras do barco o engolisse

com a garganta enlouquecida de uma dama

que era o menor enigma de bolso do afogado.


A procissão acesa

com intenções de fuga se diverte e guarda

pernas e braços aquáticos encontrados

entre os pertences-de-bolso do afogado.

 

E agora que tudo se recolhe,

as aspas arquejando,

um rebanho de luzes empurra para longe

um carrossel incendiado quando

entre preces-de-bolso do afogado.

 

Já distanciada a procissão gorjeia

um canto em preto-e-branco espavorido

e atravessa o estômago de areia

do relógio de bolso do afogado.

 

O primeiro sino de luz

na manhã ruborizada

abre repiques de amém

na praia abandonada quando

lacrimejaram Deus no bolso do afogado.

 

A fímbria em verde-e-branco,

um tanto azul-e-amarela,

do tempo entronizado em cantos mil

acorda em posição de sentinela...

 

A procissão excita o barco em aquarela

rumo a nova madrugada em Guayaquil 

 

e grita a plenos pulmões 

com a garganta 

de um relógio enlouquecido 

em chamas 

no interior da catedral que chama,

por entre os dentes de Deus, 

o nome do afogado. 


A procissão excita para sempre a escuridão do barco 

ancorado na cartilha de sangue


entre enigmas e achados 

entre achados e perdidos

entre achados incolores e invisíveis alaridos 

 

sobretudo entre  duendes enlouquecidos

e tudo que talvez não seja

ou nunca tenha sido 

de fato,  

um pertence-de-bolso do afogado.

 

Talvez a mancha de areia no pulmão do tempo 

seja uma fisgada de luz,

terrível como relâmpago,

no coração de areia dos homens

no coração de areia do afogado.  


Mas, seja tudo em nome 

desse canto atravessado 

na garganta varonil

do tempo entronizado.


A procissão acesa excita 

a escuridão do barco em Guayaquil...


Que do templo encomendado 

                em cantos mil... 

venha a nós o vosso reino  

e que renove 

nossa nova madrugada de luz em Guayaquil. 

 

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Nota: Guayaquil, oficialmente, Santiago de Guayaquil, 

é a maior cidade do Equador. 

E é, também, o principal porto do país. 


                    Belo Horizonte/MG - Outubro/2023.

23/11/2023

ENQUANTO AS ORQUÍDEAS NÃO CANTAM

 

ENQUANTO AS ORQUÍDEAS NÃO CANTAM

                                  

                        

                     Geraldo Reis

 

 

Enquanto as orquídeas não cantam

escorpiões de outubro dormem no alambrado

escorpiões de março 

apagam a memória recente dos dias.

 

Nos outros meses do ano

os elefantes impedem os escorpiões 

de andar ao ar livre

e até de respirar.

 

Temem pelas orquídeas que serão doadas

vendidas

despachadas

e haverão de desaparecer

antes da retomada de fôlego dos lagartos.

 

Nos outros meses do ano

enquanto as orquídeas não cantam  

reajustam-se os calendários.   

 

               BH 06 / NOV / 2023

10/11/2023

SABARÁ

 


SABARÁ

 

 

                Geraldo Reis

 

 

Renascerão das bromélias

nossos mitos à margem 

do Rio das Velhas. 

 

Renascerão em alto-mar

para morrer de novo

 

Nossos  mitos alheios 

às dores do povo.

 

BH 26/JUN/2022

 









POESIA NA ESTANTE

  • A CONTINGÊNCIA DO SER - Célio César Paduani
  • A INSÔNIA DOS GRILOS - Jorge Tufic
  • A RETÓRICA DO SILÊNCIO - Gilberto Mendonça Teles
  • A ROSA DO POVO - Carlos Drummond de Andrade
  • A SOLEIRA E O SÉCULO - Iacyr Anderson Freitas
  • A VACA E O HIPOGRIFO - Mário Quintana
  • AINDA O SOL - Gabriel Bicalho
  • ARTE DE ARMAR - Gilberto Mendonça Teles
  • ARTEFATOS DE AREIA - Francisco Carvalho
  • AS IMPUREZAS DO BRANCO - Carlos Drummond de Andrade
  • BARCA DOS SENTIDOS - Francisco Carvalho
  • BARULHOS - Ferreira Gullar
  • BAÚ DE ESPANTO - Mário Quintana
  • BICHO PAPEL - Régis Bonvicino
  • CADERNO H - Mário Quintana
  • CANTATA - Yeda Prates Bernis
  • CANTIGA DE ADORMECER TAMANDUÁ E ACORDAR UNS HOMENS - Pascoal Motta
  • CANTO E PALAVRA - Affonso Romano de Sant'Anna
  • CARAVELA - REDESCOBRIMENTOS - Gabriel Bicalho
  • CENTRAL POÉTICA - Lêdo Ivo
  • CONVERSA CLARA - Domingos Pelegrini Jr.
  • CORPO PORTÁTIL - Fernando Fiorese
  • CRIME NA FLORA - Ferreira Gullar
  • CRIME NA FLORA - Ferreira Gullar
  • CRISTAL DO TEMPO & A COR DO INVISíVEL - Maria do Rosário Teles do invisível
  • DIÁRIO DO MUDO - Paulinho Assunção
  • DICIONÁRIO MÍNIMO - Fernando Fábio Fiorese Furtado
  • DUAS ÁGUAS - João Cabral de Melo Neto
  • ELEGIA DO PAÍS DAS GERAIS - Dantas Motta
  • FINIS TERRA - Lêdo Ivo
  • GUARDANAPOS PINTADOS COM VINHO - Jorge Tufic
  • HORA ABERTA - Gilberto Mendonça Teles
  • INVENÇÃO DE ORFEU - Jorge de Lima
  • LAVRÁRIO - Márcio Almeida
  • LÍRIOS POSSÍVEIS - Gabriel Bicalho
  • LIRISMO RURAL (O Sereno do Cerrado) - Gilberto Mendonça Teles
  • MEL PERVERSO - Márcio Almeida
  • MELHORES POEMAS - Paulo Leminski
  • O ESTRANHO CANTO DO PÁSSARO - Célio César Paduani
  • O ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA - Cecília Meirelles
  • O SONO PROVISÓRIO - Antônio Barreto
  • O TERRA A TERRA DA LINGUAGEM - Gilberto Mendonça Teles
  • OS MELHORES POEMAS DE FERREIRA GULLAR - Ferreira Gullar
  • PASTO DE PEDRA - Bueno de Rivera
  • PLURAL DE NUVENS - Gilberto Mendonça Teles
  • POEMA SUJO - Ferreira Gullar
  • POEMAS REUNIDOS - Gilberto Mendonça Teles
  • POEMAS REUNIDOS - João Cabral de Melo Neto
  • POESIA REUNIDA - Jorge Tufic
  • RETRATO DE MÃE - Jorge Tufic
  • VER DE BOI - Pascoal Motta
  • VESÂNIA - Márcio Almeida
  • VIANDANTE - Yeda Prates Bernis